segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

CARTA A UM AMOR

Guarda o último pensamento,
quando o último fôlego expira,
para longe de mim, sem lamento.

Contempla em vez disso no céu
as estrelas a brilhar.
Se não as vês, afasta esse véu
que é a escuridão a chamar.

Nem penses sequer que lá estarei
nesse céu de estrelas, a pairar.
Ou que aquilo que já não farei
possa vir ao mundo a interessar.
Guarda o teu último suspiro para a dança
do universo que a tua alma alcança.
E abraça esse mundo novo que encanta
quem nele tem a ventura de entrar.

Mas só daqui a muito, muito tempo!
Virá a tua hora, mas bem longe do agora!
Na vida te desejo da luz solar o acento.
Saboreia-a doce, como o bago de amora.
Que a maldade e os tornados deste mundo
não desvaneçam no teu rosto o sorriso,
pois de bênçãos tudo tens que é preciso
nesse tesouro dum puro coração profundo.

Guarda o tempo que corre célere,
pois logo se esvaem minutos e horas!
Guarda apenas o que te não fere,
guarda só aquilo que amas e te adora.
À espreita sempre estará a Inveja
em folhas secas escondida,
criatura verde de alma ferida,
na sombra da floresta, onde se não veja.
Brincando a surpreender os incautos
dela alheios, actuando noutros autos.
Malévola criatura nascida na lama
que só se ira quando a luz da vida chama.

E a luz da vida chama
quando se abraça o que se ama.

Eu guardarei a minha última dança
em silêncio, calando a esperança.
Também contemplarei as estrelas
pois é delas o pó de que sou feita.
Para longe afastarei as fúteis querelas
e cuspirei na inveja vazia que espreita.
Quando eu soltar o último suspiro
farei como se fosse dormir, aliviada, satisfeita.
Recolher-me-ei num enfim calmo retiro
regressando a casa, com toda a certeza,
deitada no leito envolvente da natureza,
liberta enfim da sorte que me foi feita.

E então, serena, esperarei por ti
todos os anos que não vivi.


Armanda Andrade - 1 de Dezembro de 2014

Sem comentários :

Enviar um comentário