sábado, 20 de dezembro de 2014

DESTA CAVE OBSCURA



Num universo paralelo, tenho amigos e família.
Nesse paralelo, tenho o carisma para inspirar multidões.
Nesse longínquo mundo, sou querida e amada
por quem me desconhece neste universo em que moro.

Lá até as flores perduram o fragor
Envolvendo quem passa no aroma do amor;
Mas aqui não há amigos nem família
que velem uma alma desgorvenada...

Passo apenas comigo os serões
Gigarros, café e bebida são da vida o meu soro.
Esqueço assim da vida o desaforo.
E imagino o tempo cheio de felizes verões.

Mas nada disto é a realidade deste mundo
dele prisioneira em cave escura.
Escrava de um desespero calado,
coração jamais sarado,
escondido num poço fundo
Desassossegada num tempo parado.

Escuridão apenas desvendada por gatos,
mas gata não sou, mesmo deles rodeada
continuo cega no meio dos cerrados matos
(onde milhares de olhos selvagens me espiam)...
Sigo pelo caminho por onde sou levada
vontades que na obscuridade me conduzem...
Desejos abandonados, velados olhos que riam.
Eis que piso um caminho já cheio de ferrugem.

Por isso sonho com o horizonte longínquo
aquele que atravessa terra e mar
deste mundo dos homens, ímpio,
quero fugir, e pelos céus voar! E não voltar!

Por isso, desta cave obscura.
imagino esse paralelo universo
onde desapareceria em encanto
de ser finalmente o que sou.
Neste mundo apenas deixaria este verso
desde sempre composto de pranto.
E planaria depois como uma ave que escapou!

Nesse mundo paralelo recomeçaria
por viver a pessoa que sou.
E desde logo nem me importaria
de viver num imaginário que ainda não soou.

Seria finalmente amada
e teria os poderes de uma fada.
e qualquer ferida sarada!

Mas com correntes me puxam para baixo
os demónios da realidade.
Esta cela é que é a verdade
O único mundo em que encaixo.

Fecho olhos, ouvidos e boca
cheirando apenas o odor acre
deste meu ser em decomposição louca.
selado está meu destino com marca de lacre.

Fechada na escuridão
remendo no meu casaco o último botão -
será dia de libertação
o dia que me transformará num não!

Não chorem a minha ausência
-se por acaso for notada...
Celebrem a minha vivência
em outro mundo, libertada!

Pouco de mim deixarei neste mundo
onde nada afinal descobri de profundo.
Fica o tesouro de quem amei
mas foram também apenas lindos sonhos que sonhei...

Morro só como sempre vivi.
No alto da noie, a lua sorri...


Armanda Andrade -20.12.2014

segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

CARTA A UM AMOR

Guarda o último pensamento,
quando o último fôlego expira,
para longe de mim, sem lamento.

Contempla em vez disso no céu
as estrelas a brilhar.
Se não as vês, afasta esse véu
que é a escuridão a chamar.

Nem penses sequer que lá estarei
nesse céu de estrelas, a pairar.
Ou que aquilo que já não farei
possa vir ao mundo a interessar.
Guarda o teu último suspiro para a dança
do universo que a tua alma alcança.
E abraça esse mundo novo que encanta
quem nele tem a ventura de entrar.

Mas só daqui a muito, muito tempo!
Virá a tua hora, mas bem longe do agora!
Na vida te desejo da luz solar o acento.
Saboreia-a doce, como o bago de amora.
Que a maldade e os tornados deste mundo
não desvaneçam no teu rosto o sorriso,
pois de bênçãos tudo tens que é preciso
nesse tesouro dum puro coração profundo.

Guarda o tempo que corre célere,
pois logo se esvaem minutos e horas!
Guarda apenas o que te não fere,
guarda só aquilo que amas e te adora.
À espreita sempre estará a Inveja
em folhas secas escondida,
criatura verde de alma ferida,
na sombra da floresta, onde se não veja.
Brincando a surpreender os incautos
dela alheios, actuando noutros autos.
Malévola criatura nascida na lama
que só se ira quando a luz da vida chama.

E a luz da vida chama
quando se abraça o que se ama.

Eu guardarei a minha última dança
em silêncio, calando a esperança.
Também contemplarei as estrelas
pois é delas o pó de que sou feita.
Para longe afastarei as fúteis querelas
e cuspirei na inveja vazia que espreita.
Quando eu soltar o último suspiro
farei como se fosse dormir, aliviada, satisfeita.
Recolher-me-ei num enfim calmo retiro
regressando a casa, com toda a certeza,
deitada no leito envolvente da natureza,
liberta enfim da sorte que me foi feita.

E então, serena, esperarei por ti
todos os anos que não vivi.


Armanda Andrade - 1 de Dezembro de 2014

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

O NADA


E agora o nada...
Depois das vestes elegantes da morte
de cuja boca pululam sapos,
porque argumentos não vencem factos...
Depois da fúria do vento,
vento que as palavras não levou
O que resta é a sorte
fustigada pelo vento norte.
Vestes garridas do anjo da morte,
garridas das cores outonais
das árvores as folhas secas tirais...Mascara esta vida, de que nada sobrou.


Este futuro é carregado de passado
e é vida que não se deseja viver:
não há nela a suave esperança
de que sobrevenha depois a bonança.
É presente no passado encerrado.
é a negação do anseio de ser.
É o cinzento, a vida preencher,

Palavras duras deixa-as o vento
desprezando-as pelo chão.
Ninguém ouve o lamento
de quem não tem mais perdão.

E assim eis-me na praça
de aço, redoma de desgraça.
Dentro dela quedo resignada
frente ao futuro cheio de nada.

E é assim o nada...
Todos foram embora.
Um a um, numa bruma pálida
numa desfeita e incauta hora...
Perdi-os por culpa minha
sem que disso me apercebesse,
em que disso o querer quisesse!
Agora sou aquela que caminha
carregando o fardo do que descobri
e por cujo peso feneci...
Carregando o que me matou,
suportando o que me derrubou.

O que seria agora, se o soubesse,
quem pode saber se evitaria a hora,
se impediria este nada que me devora?

A morte não é nada.
O nada é que é a morte.

Foram todos embora
e eu quero apenas a minha hora.
Caminharei num troço de jasmim
evitando os caídos cardos
espalhados no carreiro sem fim.
Não espero o perdão de ninguém
Nem que alma alguma espere por mim.
Tão pouco merecerei o Além:
Serei alma abandonada e penada:
afinal, é mesmo ao que estou habituada.

Um a um, se foram todos...
Mas se o nada é mesmo o nada,
porque não me deixa realmente esvaziada
porque me deixa intactos os sentidos?
Porque me quebra a alma danada
e me lega tantos sentimentos feridos?
Porque sangram as lágrimas a rodos?

Serei assim tão má, egoísta e cruel,
para ter como destino este mar de fel?

Se isto é que é o nada,
está cheio de vida passada!
Mas se tento,e se tento!, deste nada escapar,
logo a morte corre para me agarrar!


Armanda Andrade - Novembro 2014

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Chuva de Novembro

Cai a noite sobre a cidade
com a chuva por companheira.
Chega ao fim este dia ameno de novembro
carregado de cinza e de coisas que não lembro.

Não quero lembrar. Procuro, apenas chegar
ao meu destino num caminho sem tino.

Mas traz a noite, sempre, a verdade
da bagagem que se acerca à nossa beira!
E logo nos descobrimos sem piedade
num mundo tão cheio de noites de novembro.

Como se fosse a noite chuvosa
a vestimenta desta alma dolorosa.
Encharcada à vista do exterior
e igualmente gotejante no interior.

Já é noite breu e a chuva é agora gelada
batendo furiosa nas calçadas:
formam-se rios na rua assaltada
como a sombra que me acompanha
entre a fúria dos elementos tamanha,
como a sombra das coisas passadas.
Do chão a água revolteia e ameaça
engolir-me, como a qualquer incauto que passa.

Procuro abrigo, mas abrigo não acho.
Para quem, como eu, já foi porto de conforto
de tantos necessitados e desabrigados
de alma e dor, errantes de porto em porto,
onde estão eles agora, que não os enxergo deste meu sítio calado?
Estarão bem e de mim já nem se lembram;
sou a porta que com grado fecham quando noutra vida entram.
Ainda bem, frutificou o meu alento;
levado agora de mim, na simples brisa do vento.
E eis-me assim isolada neste momento desolado...

Levei, tentei, uma vida sã de carácter e espírito
para agora acabar rodeada deste espectro de espelho inútil
e cruel, que multiplica sem fim o momento crítico!
(Lá fora, persiste a chuva fria de novembro,
o dia findou e já não é mais ameno,
brilha no céu um tom pouco sereno)...
Envolve-me uma luz negra em modo subtil.

Vejo-me na sala da minha alma fútil
num lamento vão que ninguém vai ouvir...
Desta sala em silêncio ergo-me para sair
e afrontar a chuva fustigante.
Junto-me à multidão apressada na rua
- Têm todos claramente onde chegar.
Serei eu a única errante?
Bem quero desta chuva fugir
mas ela segue-me sem desistir
pois não tenho onde me abrigar,
nem destino onde pousar.
Só me resta continuar.

Quantos de nós não foram ainda
apunhalados nas costas pela vida,
e mesmo até por quem tanto amam?
Quem ainda não experimentou a incompreensão
daqueles, poucos, de vidas ainda intocadas
pela verdadeira crueldade da vida?
Mesmo por aqueles que já o foram,
mas que preferem a negação e a condenação?

Esses nunca compreenderão uma alma ferida,
esses mesmo que amar-nos tanto juram...

Percorro sozinha o meu caminho vão
desacompanhada de quem de mim já não precisa.
As coisas continuarão como estão
muito depois de me transformar em cinza.

Não me interessa onde pela vida sou levada
Apenas sei que haverá um fim.
E que nesse fim, nem mesmo assim,
deixarei de ser amaldiçoada
e ainda menos perdoada
por quem daria eu a vida
se tivesse a minha vida algum crédito.
Mas estarei liberta desta vida sofrida,
não mais um fardo e um encolho!
E que a minha alma até encontre poiso
em algo no além que tenha mérito.
Mas não mais sentirei a chuva de novembro.

No vazio da eternidade já não importa ser ouvida.

Não chorem por mim. Será sem ironia
o meu último acto egoísta
que apenas aos vivos afectará.
Não peço perdão: não o terei.
- Mas, tantas coisas houve que não tive...!
Não é vida viver sem alegria
não é vida brincar de altruísta
que nunca ninguém reconhecerá.
Foi a minha vida, reduzida a nada
pelas últimas palavras que guardei:
uma bomba de egoísmo!
Desta vez desistirei
de ser o que achava ser
para quem interessa, amada e querida.

Mas quem pode amar o que não compreende?
Falta-me o tempo para o ver desperdiçado.
Falta-me o ânimo para lutar mais.
Como explicar a quem não entende?
Como conquistar vida, que já não existe mais?

Vejo o meu tempo roubado
e nem pesar sinto!
Anseio pelo tempo acabado
anseio pelo tempo findo.
Sei que te magoarei, serás a única a sofrer!
Sei que não perdoarás, mas estarás livre.
Só isso te poderei agora legar.
Sofro pelo peso a mais, a carregar.

Mas tens toda a vida para conhecer!
Vai onde eu não pude chegar
e mais além, cumprindo os sonhos dos teus avós
tocando, como tocas, a todos nós,
a mim, que não te mereci
e por tantas outras dores pereci.

Deixa-me terminar
como é costume nestas ocasiões:
Vestindo uns últimos sopros de honra:
Unem-se um dia os corações
e que são o único ouro da vida!
Mas até isso terá de acabar
nesta existência de turbilhões
no dia em que eu mergulhar na sombra...

Mas se algo de bom eu tive
foi essa dádiva da vida
esse ouro de união!
Mesmo que estejas desavinda,
mesmo que desconheças onde estive,
será para mim o meu perdão.

E então, afinal, tudo terá valido a pena.
Segue tu, a tua vida, bem serena!
Sabe que mais amada nunca houve!
Tu foste o ouro que a vida me trouxe!

E um dia, já mais velhinha, quem sabe
se um dia enfim me compreenderás?
Às vezes a ferida que se abre
como a chuva de novembro, a verdade traz.

Se algo em mim ainda para ti serve
tenta ouvir ainda enquanto posso:
Não sejas como quem tudo perde:
procura dentro de ti o teu reforço.

Encontrarás um coração pleno de venturas
e o ânimo para uma vida de aventuras
e depressa esquecerás quem ficou
no limbo dum projecto que falhou.

E daqui a muitos anos, espero,
lembrar-me-ás com mais sabedoria
e serei apenas pensamento mero
esquecida toda a desnecessária memória.


Armanda Andrade - Novembro 2014

sábado, 8 de novembro de 2014

Olhos vermelhos

Os teus olhos vermelhos
dizem que a dor é da cor do sangue...
Mas o brilho que neles aparece
é cristalino, como a chuva caindo.

Espalham-se pelo chão mil brilhos.
Cobre a rua um manto de espelhos
em pedacinhos, como o amor findo.

A chuva lavará essa dor exangue
que nos teus olhos ainda permanece!
Abrirá para ti novos trilhos,
murmurando-te nobres conselhos.
E o vermelho que vejo nos teus olhos,
afastada a dor, todos os encolhos,
será o da quente cor solar
espraiada no céu quando o dia acordar!

Espera então a chuva cair,
espera a luz do céu as nuvens abrir!
E nos teus olhos então, sem mais demora,
brilharão os tons duma nova aurora!

E o brilho que neles logo vou ver
será o reflexo dum novo amanhecer.

Armanda Andrade - Novembro 2014


quarta-feira, 10 de setembro de 2014

A Vidente Maria

          A ironia da coisa não surpreendeu Maria, habituada já há muito às peculiaridades inerentes aos homens. O facto de o dono de uma barbearia usar capachinho apenas lhe lembrava a patética futilidade da vaidade humana. Todavia, nem isso a consolava do seu aspecto tão desengraçado, revelado cruelmente pelo espelho todas as manhãs, numa bofetada morna. Mas tentava não pensar nisso conscientemente, apesar da dor nos pés, do cabelo teimosamente despenteado, do andar inseguro, das mãos inchadas... Todo o seu corpo lhe gritava, permanentemente, "és feia, és feia, és feia"!

          Maria andava de facto como uma perseguida, tropeçando amiúde, evitando o olhar de quem com ela se cruzava na rua. O seu olhar traía a sua ansiedade constante. Desde pequena, desde que se lembrava, nunca caminhava sozinha: as visões acompanhavam-na, onde quer que ela fosse.

          Tinha havido o tempo em que achara poder esconder-se delas: tinha sentido o amor, ou pelo menos uma palpitação de ardor, curiosidade e anseio, na altura em que o seu defunto a tinha namorado. Saboreara o primeiro beijo, aceitara o andar de mão dada como uma convenção própria do ritual de namoro. Fora a Paris na lua de mel, onde se maravilhara encadeada pelo relampejo da imensidade de um mundo por descobrir. Foi um relampejo breve: descobriu que, não interessava onde se encontrasse, o frio do medo e das visões a seguiam, colavam-se a ela, como a sombra sinistra de um mundo abismal, encarcerado na obscuridade do seu âmago.

          E eis que agora, ao arrastar-se pesadamente na calçada, suportava novamente o Medo. "A Vitorina achou que eu tive um afrontamento", pensou, e um sorriso amargo desenhou-lhe um ricto na boca. Tinha trinta e nove anos. Trinta e nove anos e a cabeça já quase branca, cansaço de idade e vida que ela escondia na penumbra da sua casa com aquelas tintas colorantes de supermercado, aplicadas com impaciência. Às vezes, num assalto de optimismo - nem se atrevia a chamar-lhe alegria! -, escolhia um castanho acobreado que achava excêntrico e ousado.

          Parou numa esquina, arfando, à espera do sinal verde para peões. A dor encostou-se-lhe. Maria estava conformada com esta companheira perene de jornada, fora sempre assim, Tentou não pensar na visão que tivera no Café Central, mal vira o seu vizinho Oliveira assomar à entrada, para de imediato se deter e recuar para a rua. Uma visão de uma aparição...

          Maria atravessou a rua mas estacou de súbito no outro lado do passeio. As mãos agarraram a carteira com força. Uma ambulância surgiu vinda da Avenida Central, fazendo ecoar ruidosamente a sirene que a alertou. Sobressaltou-se num arrepio gelado. Soube. Sabia que o sr. Oliveira jazia estendido num chão húmido de cimento, tão certo como ela levantar os olhos para o azul e ver as cores brilhantes de um céu de alvorada. "Ele está no Aurora"... E, como o surgir da imagem numa cãmara escura, formou-se na sua mente a figura de um homem de fato, impecavelmente direito, sobre uma mancha de sangue.

          Mas foi um nome diferente que escapou dos seus lábios, quase inaudível: "Fiona..."


          Armanda Andrade - Lisboa, Abril de 2009


          

domingo, 7 de setembro de 2014

Suicídio de um Alfa Romeo

          Fora um Verão trabalhoso, ali no meu refúgio alentejano, a criar jardim, plantar, podar, restaurar portas e janelas e a decorá-las com poemas... Trabalhava com gosto, de sol a sol, coisa absolutamente inaudita para mim. A pobre filha pré-adolescente esperava pelas 22h para comer, naquelas tardes de Verão de dias bem compridos...Creio que foi aí que desenvolveu mais dotes de desenrascanço...

          Corria o ano de 2001 e era lá que eu estava, a lidar com o empreiteiro e os seus contratados, eu própria cheia ora de tintas e vernizes, ora de terra e ancinhos, quando assisti, atónita, às primeiras imagens do 11 de Setembro; ainda perguntei "que filme é este", mas depois sentei-me e percebi que o mundo acabava de mudar, como toda a gente terá percebido. Depois dei o almoço e voltei para as lides.

          A minha filha recomeçaria o ano lectivo a 13 de Setembro, pelo que preparei tudo para partirmos no dia seguinte de regresso a Lisboa. Acontece que, na tarde do dia 12, me senti inexplicavelmente cansada e telefonei ao pai dela, que vinha precisamente do Algarve, pedindo-lhe que fizesse um desvio para a apanhar no Cercal do Alentejo, onde eu a levaria. Não me sentia em condições de viajar.

          Assim foi feito. O "transbordo" da querida infanta foi levado a cabo sem demoras e eu regressei ao meu monte aliviada e ansiosa por descanso. Comigo, no banco de trás, preso por uma trela ao encosto, viajava o meu belíssimo e fiel companheiro husky, o Picasso.

          Era um caminho que eu conhecia e tinha percorrido já centenas de vezes, uma estrada estreita e sinuosa, de curvas inesperadas. Refastelada no conforto do meu Alfa Romeo 156 - 1800, automóvel tão cúmplice de longas e rápidas viagens, um prazer indizível de conduzir, carro tão amado pela BT que, sempre que o via, o mandava parar e dava-me uma espécie de certificado ou menção honrosa pela regularidade com que eu já proporcionava receitas ao Estado, senti-me segura e, como estava cansada, resolvi experimentar andar devagar. Afinal, conhecia aquele caminho mesmo de olhos fechados!

          Eu disse olhos fechados? Dito e feito. Fechei os olhos. Por uma milésima de fracção de segundo, apenas! Já os faróis me mostravam uma linha de sobreiros, guinei mas havia areia na estrada, derrapei e dei de caras com a única ribanceira que deve existir em todo o Alentejo... O meu Alfa protestou por ir tão devagar e lançou-se selvagem e desabrido por ali abaixo. Lembro-me de pensar: "vou morrer, afinal é só isto, nem sequer custa muito..."

          Voltas e reviravoltas que me pareceram uma eternidade, o caos no meu mundo, a resignação calma de quem aceita e nem sofre. Depois, silêncio.

          O carro tinha-se imobilizado, pois a verdade é que chegara ao fundo. Confusamente, percebi que estava viva e mexi as mãos com cuidado, depois os braços, as pernas... mexia tudo e nem me doía nada. A minha prioridade foi sair dali e procurei a porta. Depois, procurei a janela. Depois, tentei perceber se havia alguma abertura para sair, era de noite e estava tudo escuro, nem sabia do porta luvas para tirar de lá a lanterna, o que começou a enervar-me. Também começou a inquietar-me o silêncio do meu Picasso... Chateei-me a sério e decidi sair nem que fosse à cabeçada. Por sorte, dei com a janela do tejadilho aberta (que estaria fechada, mais tarde soube que se partira...), aproveitei e arrastei-me dali para fora. Senti no braço uma lâmina mas não liguei. Cambaleando, afastei-me um pouco, tentando perceber o que tinha acontecido.

          Pois bem, não tinha capotado. O carro voara, amparado pelas árvores de sobreiro, e batera em cada uma delas em ricochete, meticulosamente, sem falhar nenhuma. Vi apenas uma chapa de metal retorcido e esmagado, com uma única excepção: o habitáculo do condutor, onde eu estava, intacto! Parecia uma chapa de metal com uma pequena bolha onde até o volante estava no sítio. Aturdida, fiquei desesperada ante a hipótese de o meu cão estar esmagado ali dentro, mas ouvi um arfar na escuridão e tacteei-o, arfava sufocando, a trela ainda presa ao banco enforcava-o, foi a chorar que o libertei, ele estava vivo mas cheio de sangue! Libertado, tentou fugir, mas as patas combalidas fizeram-no cair. Quando vi que não se afastava, procurei as minhas chaves da casa do monte, numa obsessão desesperada: eu só queria sair dali, ir para casa e dormir, fingir que estava num pesadelo mau. Demorei muito a encontrá-las na escuridão, num espaço todo invertido em que nada estava onde devia estar: o Alfa imobilizara-se sobre o lado esquerdo. Por onde o meu cão foi cuspido nunca hei-de perceber, mas a trela saía entalada da porta, foi uma sorte o carro não ter desabado sobre ele...

          Fiquei ali então, por uns momentos, já não chorava porque o meu cão não parecia muito mal, devia ter apenas uma ferida pois estava com sangue, e olhei para cima, tentando perceber como escalar aquilo tudo arrastando um animal de 32 quilos que não se movia... Foi aí que ouvi vozes "está tudo bem aí em baixo? A senhora está bem?" e depois a luz de uma lanterna e dois homens ao meu encontro, pai e filho. O rapaz arrastou o cão para cima, o outro amparou-me a mim; lá no alto, de imediato, surgida do nada, uma ambulância, as pessoas da casa em frente que a tinham chamado - no fim de semana passado tinha ali morrido um casal... Depois a GNR, teste do álcool, mas todos muito simpáticos, os senhores que me tinham ido buscar iam dar-me boleia até à casa, eu segurava as chaves como se fosse a coisa mais preciosa do mundo.

          Na ambulância descobriram-me um corte profundo no braço, mas só podiam coser-me no hospital. Perguntei-lhes se o cão também podia ir, disseram que não tinham autorização, perguntei-lhes se eles achavam que eu ia abandonar o bicho, ficaram a olhar para mim com ar de sonsos, disse-lhes que então prescindia do tratamento, curativos sei eu fazer, até tenho tudo em casa, lá insistiram em que me tratavam, avisando que, por me negar a ir ao hospital, ia ficaria com uma cicatriz feia, insisti se ao menos podiam ver o cão... De novo a sonsice a olhar para mim, agradeci a compressazita, o reboque já tinha aparecido, a GNR ficou com os meus dados e lá me meti no carro dos alentejanos de quem, desgraçadamente, ignoro o nome e nunca pude agradecer-lhes.

          Quando me deixaram ao portão, perguntaram se eu precisava de alguma coisa, agradeci, eu só queria mesmo era estar sozinha, tratar do Picasso e dormir, dormir, dormir...


          Em pânico apalpei o animal, para lhe descobrir a ferida de tanto sangue. Em espanto descobri que não havia uma única e que ele se mexia bem e nem gania, estava só combalido. Afinal, aquele sangue era o meu que lho passara quando o libertara da trela...


          Não queria telefonar a ninguém da família, ia provocar um escarcéu e pânico que não estava para aguentar. Telefonei a um amigo, uma vez que a mulher dele dormia a sono solto, pedindo-lhe expressamente para não avisar a minha família àquela hora, que eu o faria no dia seguinte.

          Depois, engoli uma série de comprimidos para dormir e assim fiquei 2 dias... Ao segundo dia acordei e comecei a tratar do jardim, arrancando em fúria tudo quanto era ervas daninhas. Acho que desde a alvorada até ao sol-pôr, só fiz isso. No terceiro dia acordei com o meu irmão ao meu lado: o meu amigo alarmara-se de nunca mais saber notícias e contactara-o. Ofereci um café ao meu irmão, ele retorquiu: "vi o teu carro ali em frente da oficina da aldeia, não faço ideia como é que estás viva!" (ele tinha razão, conforme depois constatei ao ver a carcaça esmagada - menos o habitáculo do condutor - do meu querido Alfa, que "tão cedo se partira / desta vida descontente"...)

          Pouco tempo depois, ao acabar o café, o olho clínico do meu irmão médico disse que eu tinha o braço esquisito. Ao apalpá-lo, afirmou que estaria partido. Até sorri, disse-lhe que mexia tudo, aquele inchaço era da violência com que arrancara as ervas daninhas...


          E foi assim: carro na sucata, um cortezito no braço cuja cicatriz é insignificante (o corte, apesar de profundo, era pequeno), o meu cão incólume, diagnóstico de veterinário, e eu de 3 meses com gesso só pela fractura ridícula do escafóide da mão direita.


          Desde aí que sou ambidestra...


          Ah, e ninguém me pagou o trabalho de corte das cascas dos sobreiros daquela ribanceira!


          Mais tarde, durante algum tempo, cheguei a ter pesadelos imaginando que o acidente se dava antes (!) de deixar a minha filha a salvo...



                              Armanda Andrade - Setembro de 2010

terça-feira, 12 de agosto de 2014

Sol de Junho



Brilha altivo no azul cerúleo
a chama vibrante de um novo dia,
na mesma praia de dunas e seixos
onde o nosso Amor se estendia...


O sol afaga-me longamente o corpo
abandonado à sua carícia de amante.
Aquele amor jaz agora morto
mas estou eu viva, vibrante!


Beija-me o sol com paixão
e até a alma me aquece!
Ganham os sentidos à razão
e é como a memória te esquece...


Envolta assim nesta luz que deslumbra
desfruto este limbo de azul e amarelo.
Mesmo que quisesse abrigar-me à tua sombra
prefiro deter-me neste calor, sonho mais belo!
Próximas de mim, em ondulante cântico
hipnotizam-me as ondas do mar.
Espraio-me vagueando em sonho lânguido
- um desejo de ir, mas não de voltar!


Errante vai ali uma gaivota;
peço-lhe que avance para o mar,
pois nas suas asas transporta
o meu Futuro, para que possa voar!
Que o leve para o alto mar
para lá do ponto de fuga no horizonte,
que eu anseio pelo navegar
do meu Futuro, e que volte à fonte.


(Aqui ficarei esperando,
eu e o sol, nos amando...)


Brilha no alto o calor,
cantam as vozes do mar:
"sossega, espera por ti o Amor",
segredam-me ao ouvido, devagar.
E lentamente o sol vai descendo
mesmo junto à linha do céu e do mar.
Lá mesmo onde, como acendendo,
o meu Futuro irá iluminar.


Armanda Andrade - Junho 2011

quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Traição



Quantas palavras, quantas intenções, quantas promessas!

A alma da menina que esta mulher madura sentiu seguro fazer ressurgir, crédula mais uma vez, crédula quando me fizeste subir para o pedestal, prometendo que para sempre assim seria, que não me deixarias tombar.

Mas caí, mais uma entre tantas vezes, caí e magoei-me, mais uma entre tantas feridas.

Nada se transforma, nada muda, todavia tudo é efémero e traiçoeiro.

Quantas mais vezes terei de morrer?

Não há primavera ou outono, nem inverno, muito menos o verão: apenas o limbo onde erramos até que a morte nos liberte.

A Traição, isso é o que fazemos a nós próprios quando nos permitimos acreditar.


Armanda Andrade - Novembro 2008

domingo, 3 de agosto de 2014

Sweetness

My sweet queens ♥

Fiona Magellan - O Capítulo da Máscara




          Depois do assassinato de Carol, Fiona Magellan sentou-se à pequena secretária do seu quarto de hotel, com a adrenalina dos recentes acontecimentos a impulsioná-la para a luz do monitor no écran e a começar a escrever como um autómato, milhares de palavras a atropelarem-se no afã da escrita. Quando o transe amainou, releu o que tinha escrito e, na raiva da insatisfação, eliminou tudo.

          Enviou um email ao seu editor informando que estava activa mas que precisava de uma pausa para acabar o livro de maneira épica e inesperada para os leitores. O editor não ia gostar, mas ela tinha mais em que pensar do que no que o editor pudesse barafustar, como ele costumava fazer, tão teatral sempre!... Deitou-se sobre a cama depois de esvaziar o mini bar. Vista de cima, era como uma Ofélia mergulhada em lençóis de linho com mini garrafas em volta da sua cabeça, como numa coroa de flores. Pouco depois, parte dessa coroa acabaria atirada rudemente para o chão... mini garrafas vazias de mil cores.

          Fiona desceu à cave das mais profundas memórias. A morte de Carol devia ser homenageada usando essa coragem de levantar fantasmas há muito encarcerados.  Chamou-os para perto de si. O quarto encheu-de de companheiros de outras eras e de outras vivências, alguns meio apagados ainda, em estilo holográfico com edição de fotografia envelhecida, outros bem nítidos, como que impressos com tinta indelével.

          Deitada na cama, Fiona observou os seus primeiros movimentos. Um deles sussurrou que não estava surpreendido por ter sido invocado, pois é para isso que eles se escondem nas nossas caves e não desaparecem...
 

          Fiona transportou-se até há anos atrás, em jovem, antes de a sua agorafobia a esconder e proteger, e quando as visões ainda a não atormentavam. Costumava ter muitos amigos. Tinha uma vida social. Aos poucos, através de choques e sempre inesperadamente, descobria traições por parte de quem menos esperava, mesquinhices que a feriram, e também grandes maldades que a perturbaram seriamente e a fizeram começar a costruir a Máscara. Começou por esconder o dom de ver o que os outros não viam, e guardava os flashes das visões para si, teimando até em não acreditar em muitos até a carapaça Anti Dor estar terminada... Muitos a magoavam sem querer e sem disso terem consciência, até ela perceber que isso não existe: mais tarde, surgem incongruências nesses paladinos de virtudes e defensores das regras e conformismos tradicionais. Aprendeu que a injustiça e o egocentrismo dos outros não devem ser deixados a germinar. Na sua dor reprimida, entendia que essas pessoas não têm desculpa, a hipocrisia dos bem intencionados enche o Inferno, segundo consta.

          Talvez tenha sido por aí que, de magoada, aprendeu também a magoar... pois há sempre quem não perdoe quando a importância e a atenção que requerem deixa de ser dispensada.

          A carapaça de Fiona ganhou mais uma camada. Descobriu, tarde de mais, que amigos haviam conspirado contra ela, amigos que ela respeitava. Enxugado o choro no coração, apenas a levaram a sentir-se mais determinada. Infelizmente, mais sozinha também ficou, mas é o preço a pagar para quem quer rodear-se de almas sinceras e desinteressadas, livre de manipuladores e sugadores. Mas são tão raras, essas almas, como pérolas num mar de ostras vazias de poeira...! E Fiona, demasiado sensível e trapalhona construtora de carapaças, acabou agorafóbica.

          Em tudo isto ela pensava enquanto assumia a posição do suicídio de Ofélia na cama, com lágrimas que todavia não chegavam para formar um rio... Carol morrera assassinada e não lhe interessavam os motivos de quem o perpetrara. Ia sobrepor na personagem de Carol as únicas razões que conhecia bem, as suas, um artifício literário que tantos escritores usam quando se querem confessar usando diversas personagens... Carol morrera com um sorriso. Fiona, na sua eterna e escondida mágoa, tentou sorrir. Desenhou-se na face apenas um esgar...

         Eis então que Fiona engole o conteúdo da última garrafinha da coroa, como se de um espinho na memória se livrasse, senta-se frente ao portátil e começa a inventar um passado sórdido para a sua personagem assassinada. Para que, quem quer que a tivesse odiado ao ponto de a matar, não o fizesse, a ela, um dia...

          Foi assim que Carol, capítulo a capítulo, se foi transformando em Fiona. E Fiona percebeu que, apesar de tudo, por mais que aviltasse o carácter da sua personagem, nunca escaparia do medo. Daquele medo de ter de fingir ser, para sempre, alguém que nem conhecia, e cujo fim tinha sido trágico...
          Os primeiros parágrafos que escreveu foram os seguintes:



          "Era uma vez uma bela rapariga que vivia numa floresta cheia de sonhos. Teve um amigo, que lhe deu um ramo de flores, mas que mordeu a mão que o recebeu. Era um jacaré, foi assim que o viu, mal se levantou a névoa da manhã. O ramo de flores soltou-se e desapareceu na corrente. Carol, a bela menina, a cuja passagem as flores desabrochavam, ganhou um brilho nos olhos desde que esse amigo explorou a sua vulnerabilidade e a traiu, escondendo os olhos na sombra, sobre a lama. Era um brilho de olhos em lágrimas.
          Ao mesmo tempo, brilhos de luz esverdeados teimavam em espreitar pela densa folhagem escura das noites...
          Mas isso foi antes antes de ela aprender a sorrir para que esse brilho dos olhos parecesse de felicidade... "

Armanda Andrade - Outubro 2013


sábado, 2 de agosto de 2014

Para quê?



Já escrevi um livro, já tive uma filha, já plantei árvores...

Já naveguei falhanços, já aspirei o ar plácido do sucesso, já esqueci, já me esqueceram...

Os dias sucedem-se como na música inconstante mas contínua de uma pequena cascata tranquila de cujo som acabamos por nos abstrair. Se estamos dentro de água muito tempo, começamos a notar apenas se está fria, mesmo que em cenário paradisíaco, com cascata e tudo. Pior, enrugam-se-nos os dedos. A alma enruga. A alma também envelhece, ou apenas desanima?

Não creio que desanime. Continuamos, nadamos até à mais próxima margem, enrolamo-nos na toalha, aquecemos, vamos à vida. Sacudimos e água e nem nos importa que diante de nós se estenda um deserto. Porque nos desertos há sempre oásis, como numa autoestrada pontuam as estações de serviço.

Já não há desertos a sério...

E os dias atravessam-nos como imagens holográficas, efémeras e superficiais como arrepios de frio. As pequenas alegrias, as pequenas e grandes contrariedades, as crises... fingimos que está sempre tudo bem, as dificuldades temperam-nos (marinando a nossa carne prestes a ser cortada em fatias), fazem-nos crescer, é a máscara , numa sabedoria de vida embrulhada em cliché.

Crescer? Mas quem quer crescer?Quem quer ser desencantado, amargado, endurecido?

Para quê?

Caio, levanto-me, sopro o arranhão. As minhas cicatrizes contam-me estórias, as minhas estórias. Quem não tem baús cheios delas? Nem são diferentes só porque são minhas, mas orgulho-me delas, algo pedantemente. Mostram que sobrevivi, que estrebuchei, esforcei-me, ultrapassei! Foram a companhia na minha jornada, a única que temos de certeza, que vem com nós mesmos.

Gosto de mim. Rio-me de mim e rio-me comigo. Mimo-me, se estou triste. Mas o que é que isso interessa? Serviu para quê, tanto empenho, tanto esforço, tanto querer? Porque o sítio onde estou hoje é, ainda, um caminho: de empenho, de esforço, de querer!

E estou cansada, e estou cansada de estar cansada, e só queria estar no sítio onde estava antes de crescer, antes das cicatrizes, antes das marcas de guerra. A sala onde me leva este caminho é apenas a antecâmara de Tanatos e a verdade é que nem importa como lá chegarei. Então para quê tanta luta, tanto ardor, tanta ânsia no bom desempenho desta representação de vida?

"Tudo vale a pena, se a alma não é pequena!"... Pois a minha já viajou para a escala atómica, numa contracção de buraco negro! Porque nada mais que uma partícula minúscula eu sou, neste universo imenso, onde o bater de asas de uma borboleta é só um bater de asas numa qualquer buddleia. E eu nem asas sequer tenho...

E para que quereria eu asas? Voaria, mas para onde? Que lugares há, diferentes deste?

E todavia continuarei o meu caminho, apenas com Sísifo como companheiro, sabendo que afinal, faça eu o que fizer, é Tanatos quem me espera. É Tanatos quem encontrarei neste meu caminho deserto. Um caminho com o fim como destino,

Felizmente.

Nascemos e morremos sozinhos. No intervalo apenas dançam ilusões. Para quê?

Deve fazer parte do pacote de viagem, temos de nos entreter com alguma coisa...



Armanda Andrade - Setembro de 2010


sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Poema de Amor do Antigo Egipto



Um dos meus poemas favoritos! Gostaria de o partilhar com todos, espero que gostem dele tanto quanto eu!


Se fores à casa coberta de hera
Antes dos outros convidados chegarem,
Põe-te à vontade
Na sala dos banquetes.
As flores mexem-se com a brisa, 
A qual, se não estiver toda envolta em perfume,
Há-de conseguir levar até ti
Pelo menos a excelência de alguma da sua fragrância.
O perfume alastra,
A embriaguês começa.
Aquela rapariga ali, a que se parece com Noubt:
Se tiveres a sorte de a receber como presente,
Meu amigo, deves estar preparado para oferecer em sacrifício
a tua vida
Pois é a única coisa que podes dar em troca.


(tradução de Helder Moura Pereira - ed. Assírio & Alvim)

segunda-feira, 28 de julho de 2014

Festa de Haloween


          A mesa estava posta, a casa toda decorada. Na primeira, velas, velinhas em formas assustadoras espalhadas por entre as iguarias. Nos tectos e paredes, pululavam, entre balões negros e laranja, silhuetas em cartolina de figuras fantasmagóricas. Dei uma última olhadela em redor, satisfeita comigo própria, pois os meus convidados seriam recebidos como reis. Ou rainhas.

          Ou como feiticeiros, bruxas, múmias...

          Ei-los que chegam, a família Adams - a Mão ficou em casa de castigo -, Jack The Ripper, um assassinado ainda com a faca espetada no crânio, a Múmia enrolada em papel higiénico, o Zombie... De relance vi-me no espelho e sorri com o reflexo do meu aspecto de monstro surrealista: abominável!

          Perfeito.

          E as velinhas, dezenas de tealights espalhadas por todo o lado, emprestando o ansiado tom sobrenatural ao ambiente.

          Todos nos sentámos à mesa, abomináveis criaturas mas com boas maneiras e sorrisos brilhantes, comemos, bebemos, vozes de tertúlia animada, altas e entrelaçadas, palavras que se atropelavam sem contudo atrapalhar o trajecto dos talheres do prato para a boca e o ritmo dançante dos copos do vinho que ia aquecendo as gargantas. Só o meu cão, disfarçado de Lobo Mau, era o único que dormitava pacífico, até algo enfadado.

          Já era madrugada quando, no meio da animação das conversas soltas, descortino, atrás de uma amiga que se posicionara diante de mim, uma luz intensa, como que uma auréola... Já estava convencida da transformação divina quando, atrás de mim, uma voz tonitruou:

          FOGO!!!

          Abreviemos:

          A tal luz aureolada era afinal a chama de uma tealight em plena escalada de umas cortinas de linho!

          Foram gritos, foram correrias, foi um amigo que, na confusão, atirou o seu copo de whisky on the rocks para apagar as chamas... Eu disse apagar? As labaredas envolviam já a janela e a Costela de Adão, que se erguia orgulhosa e pujante até ao tecto, iluminava-se de fogo, as minhas cortinas de linho desapareciam na língua devoradora do fogo. E começaram a rebentar, por efeito do calor que irradiava, todos os balões suspensos que eu colara ao tecto. Qual metralhadora sincopada, qual fogo de artifício sinistro...

          Lembro-me dos vai-véns dos meus convivas, jarras de água lançadas pelo ar, as chamas a rirem-se do nosso pânico, de alguém a gritar-me "parece impossível, nem a malga do cão tem água!"... Aí reagi, corri para a cozinha, arrematei um garrafão cheio de água do Luso, voo de volta para a sala, passo por alguém que pisava a ponta do vestido da matriarca da Família Adams, e pláaaaaaash, foi uma cortina de água a engolir a moldura de fogo!

          Água pura, do Luso, garrafão de cinco litros!...

          Eu cá sou assim: quando dou uma festa, é mesmo a sério! Esta, foi a de Halloween.

          Para a próxima, estou a pensar fazer um jantar árabe. Estou apenas à espera da resposta do Bin Laden, que será o convidado de honra. Essa será bombástica!


                            Armanda Andrade - Setembro de 2010


       

quinta-feira, 24 de julho de 2014

Abstracto




E assim se evola no abstracto
Um dia mais, sem substrato.


Lentos os minutos, correm as horas!
Aqui, no lugar onde moras
paira o silêncio do relógio parado.
Há muito que partiu o riso animado...


Se eu pudesse a minha mente aquietar
como jazem os objectos sem alma!
Se eu pudesse nunca mais lembrar
os tempos fugidos, a perdida calma,
poderia regressar à inocência
de acreditar, ainda, na essência
dum espírito benigno da vida.
Mas, não há regresso dessa ida.


O passado já não existe.
O que eu fui, já não persiste.


Fosse assim com as memórias
e passariam as horas, devagar,
construindo novas histórias
que valesse a pena lembrar.


As memórias trazem o regresso do tempo
- a vida não é senão um passatempo.
Coisas dispersas que voltam e assombram
coisas que rejeitam o esquecimento
tão implacáveis como lá fora o vento
que ruge em todas as direcções
desnorteado, danado; raios que vislumbram
e despedaçam todas as nossas orações.


Veio noite de violenta tempestade:
é o que resta, deste dia sem saudade.


Talvez, em breve num sono mais puro
eu consiga agarrar um pouco de futuro...


Armanda Andrade - 24.07.2014

terça-feira, 22 de julho de 2014

ENFP:-) Meu tipo de personalidade e temperamento...


(Aproximadamente 6—7% da população) ENFPs são cheios de entusiasmo e novas ideias. Optimistas, expontâneos, criativos e confiantes, têm uma mente original e um forte sentido do possível. Para um ENFP, a vida é um drama excitante.

Porque estão tão interessados nas possibilidades, ENFPs vêem sentido em todas as coisas e preferem manter muitas opções abertas. Eles são perceptivos e observadores perspicazes que notam qualquer coisa fora do comum. ENFPs são curiosos; eles preferem entender em vez de julgar.

Imaginativos, adaptáveis e alertas, ENFPs valorizam a inspiração acima de tudo e são com frequência inventores engenhosos. Por vezes são inconformistas, e são bons em ver novas maneiras de fazer as coisas. ENFPs abrem novos caminhos para o pensamento e a acção. Ao implementar as suas idéias inovadoras, ENFPs confiam na sua energia impulsiva. Eles têm muita iniciativa e encaram os problemas como desafios estimulantes.Também obtêm uma infusão de energia estando juntos das outras pessoas e podem combinar com sucesso os seus talentos com as forças dos outros.

ENFPs são encantadores e cheios de vitalidade. Tratam as pessoas com simpatia, gentileza, calor e estão prontos a ajudar qualquer um com um problema. Podem ser marcadamente compreensivos e empáticos, e com frequência se importam com o desenvolvimento dos outros. ENFPs evitam conflito e preferem harmonia. Eles colocam mais energia em manter relacionamentos pessoais do que em manter objectos, e gostam de manter uma grande variedade de relacionamentos vivos.

Possíveis Aspectos Negativos

Uma vez que acham tão fácil gerar idéias, ENFPs têm dificuldade em concentrar-se em apenas uma coisa de cada vez e podem ter problemas em tomar decisões. Eles vêem tantas possibilidades que têm dificuldade em selecionar a melhor atividade ou interesse para seguir. Algumas vezes fazem escolhas de que se arrependem ou envolvem-se em muitas actividades simultaneamente. Escolher cuidadosamente onde concentrar a sua energia ajudará os ENFPs a evitar consumir o seu tempo e a dissipar os seus consideráveis talentos.

Para um ENFP, a parte divertida de um projeto é a solução inicial de um problema e a criação de algo novo. Eles gostam de exercitar a sua inspiração nas partes importantes e desafiadoras de um problema. Depois desse estágio, com frequência perdem o interesse e carecem da auto disciplina necessária para completar o que iniciaram. É provável que comecem muitos projectos mas concluam poucos. ENFPs produzem mais resultados quando concluem as partes entediantes, mas necessárias, de um projecto, até que este esteja completo. Anotar em papel factos ou etapas poderá ajudá-los a evitar que se distraiam.

Com frequência, ENFPs não são particularmente bem organizados. Eles podem beneficiar em aprender e aplicar uma boa gerência do tempo, desenvolver as capacidades de organização pessoais.  Eles lucram quando juntam forças com outras pessoas mais práticas e realistas. Isso normalmente combina bem com eles de qualquer forma, uma vez que ENFPs não gostam de trabalhar só, especialmente por períodos extensos de tempo. Eles acham que trabalhar com outra pessoa, mesmo em fases menos interessantes de um projecto, é preferível a trabalhar só.

ENFPs não são tão interessados em pormenores. Uma vez que eles são mais entusiastas em usar a sua imaginação e em criar alguma coisa original, eles podem não se incomodar em recolher toda a informação que necessitam de forma a executar uma actividade particular. Algumas vezes eles apenas improvisam no momento, em vez de planear e preparar antecipadamente. Porque acham que a recolha de informação é aborrecida, ENFPs correm o risco de nunca passarem do estágio da "idéia brilhante" ou, uma vez que tenham começado, nunca terminarem. Sempre inquietos, eles prefeririam não ter que lidar com pormenores cansativos mas deslocarem-se para alguma outra coisa nova ou incomum. ENFPs são mais efectivos quando conscientemente observam o mundo à sua volta e recolhem impressões mais objectivas, tornando assim suas inovações aplicáveis. 


Para mais: http://sites.mpc.com.br/negreiros/enfp.html

The Science of Color in Fashion | SciTech Connect

The Science of Color in Fashion | SciTech Connect

terça-feira, 15 de julho de 2014

Qual de vós se parece mais comigo?

                                                                                                          Picasso Gordow de Mazagatos e Omni's


Lobos irmãos da minha fome

parceiros da mesma festa
que nos cimérios antros da floresta
uivais o vosso nome;
árvores minhas irmãs minhas amigas
que altaneiras vos ergueis no verde mar
maternalmente sussurrais vossas cantigas
agitando vossos braços de embalar
berços de sonhos;
aves que trinais vossos gorgeios
desflorando as brácteas e partejando a flor
despertando anseios
no mês de abril acordando o amor;
insectos que zumbis vossa lascívia
camuflados nos recessos do arvoredo
ressuscitando ao sol do meio dia
e à noite vos entocais de medo;
população da floresta poligâmica, habitantes
de um mundo essencial, inexpletivo,
para o equilíbrio necessário do ser vivo
harmoniosamente nem carentes nem sobrantes,
qual de vos se parece mais comigo?

(João Marcos, meu Pai, poeta limiano) 

Quarto minguante



Está baixa hoje, a lua,

nesta quente noite de Junho.
Amarelo esbatido desmaiado na rua
nesta noite em que definho.

A madrugada silenciosa avança...
Céu lúgubre de desencanto.
Vai-se em murmúrios a esperança
e as ilusões, em sufocado canto:

          de versos não rimados
          de rimas desencontradas,
          de promessas anuladas...

Longa noite de lua vazia
tantas  longas noites depois!
-é um fio de lua que me estrangula o grito.
Despe-me do sentir, numa razia,
dilui-se comigo na escuridão;
disfarça-a, tomando-a como só sua.
Um esquisso de querer: Lua
desfalecida, leva-me contigo pela mão!
Eleva-me para longe desta desolada rua!
(Mas ela deita-se surda e indiferente
altiva e muda num horizonte aflito).
Ah, que noite imensa e tão quente!
Cobre-me o manto frio do desespero
limado, resignado: já nada espero.

É como acaba esta história:
festejam as trevas a vitória.

Definha lá fora a minguante lua
e cá dentro, minguam as memórias
daquele tempo em que eu era tua.

Cortante, no escuro silêncio, o grito dum mocho,
e alguns cães ladram nervosos à lua moribunda.
Mas agora, todavia, já não os oiço:
a minha alma dorme em morte profunda.

E o arco descendente desta lua fina
assombra sozinha a madrugada escura.
Nenhum sentimento mais me domina:
ao novo dia, fingirei de novo a liberdade pura.



Armanda Andrade - Junho de 2012

domingo, 13 de julho de 2014

Dizem que é para meu bem...



Dizem que é para meu bem que me governam; ora, como dou o meu dinheiro para ser governado, depreende-se que é para meu bem que o dou, o que é possível, mas que merece, contudo, ser verificado.

Além de, por outro lado, ninguém poder conhecer melhor que eu, as coisas que me fazem feliz, penso que é estranho, incompreensível, anti-natural, extra-humano, devotarem-se à felicidade de pessoas que não conhecem; e eu declaro que não tenho a honra de ser conhecido pelos homens que me governam...
É justo dizer desde já, no meu ponto de vista que eles são verdadeiramente bons e, enfim, um pouco indiscretos por se preocuparem com a minha felicidade e principalmente, porque não está provado que eu não seja capaz de a conseguir eu mesmo.

Mais afirmo que a devoção implica o desinteresse, e que os cuidados oficiais não têm o direito de ser incómodos senão com a condição de nada custarem...
Eu sou demasiadamente bem educado para discutir aqui uma questão de dinheiro e guarde-me Deus de pôr em causa a devoção e por outro lado o desinteresse dos nossos homens de Estado. Contudo, peço autorização para aguardar e lhes poder exprimir a minha gratidão, desejando ao mesmo tempo que as delicadas atenções com que se dignam envolver-me sejam mais baratas.


Toulouse, 1848

Anselme Bellegarrigue

sábado, 12 de julho de 2014

Névoa matinal


Na fria neblina matinal surgiste
envolto em manto de pálido azul
diáfano como as asas dos anjos;
nelas, a memória de quando partiste.
Acordou a natureza com ansejos
e soprou uma brisa do lado sul.
E era uma memória triste...


Na doce corrente daquele rio
na nascente dum dia sem brio,
refugiada naquele pequeno barco
me fui deixando, devagarinho,
sob emaranhadas ramadas em arco
de árvores esquecidas nas margens
- que a brisa agitava de mansinho -,
enlevar com a carícia das aragens.


Abalando para outras paragens...


Seguia-me a sombra da névoa
(ou era eu que nela submergia?)
E a tua memória num pássaro que voa
bem lesto roçando o que se não via,
abala a quietude daquele lugar
sem qualquer intenção de poisar.
E eu, suspensa nesse amargar.


Era bem cedo nessa manhã
quando me deparei com o teu manto
disfarçado de neblina prateada.
Apanhada de novo na manha
das memórias sombrias de pranto
desta vida desalojada de encanto
neste rio de água parada,
neste limbo de névoa magoada.


E neste barco sem destino...


Armanda Andrade - 12.07.2014

A lucidez - Parte II



Por mais intenso que seja o prazer

ao passar em cada ponto da caminhada
eu nunca deixo de ter
a visão lúcida do fim da estrada.
É a lucidez que me leva a desejar
a ultrapassagem vivencial
de cada um destes pontos, 
e também ela que me faz recear
a chegada ao ponto final.
É que a luz brilhante
que ilumina a estrada de ponta a ponta
se apaga num instante
e no términus da estrada
só a escuridão é que conta, 
para além não se vê mais nada
a não ser um esqueleto
apodrecendo no fundo de uma cova.
Ah! se eu não visse este esqueleto
nem esta podridão,
como a semente que se renova
não sabe que um bico de ave
pode ser o seu caixão
como o rio que não sabe
que hora a hora morre no mar
como o verme, como a planta
como o roble secular
que no bosque se agiganta
não sabem eles que um dia
também irão acabar...
mas a lucidez denuncia 
a este animal que pensa
que tudo o que possa pensar
fora da sua ilusão
para além do esqueleto
não passa de adivinhação!
Porque animal que passeia
só vê os passos que dá
porque a roseira nem vê
as lindas rosas que dá
não sabe a lua se é cheia
se é quarto ou se é lua nova
só este animal se vê
apodrecendo de véspera
no fundo da sua cova
da cova que traz com ele
ao nascer...

Tudo o que nasce no mundo
traz consigo a sua morte
sem saber...
Sem saber é melhor sorte
do que ser lúcido, e ver
que não saímos do mundo
mesmo depois de morrer
e que o desejo exclusivo
de vivermos noutra vida
- tortura de morrer vivo -
é sonho, letra a pagar
é tributo que pagamos
ao castigo de sonhar
à tortura de morrer
- tortura de morrer vivo -
ao suplício de viver
à tragédia de saber.


João Marcos, in "O Ser e o Nada",  SOL XXI Poesia,  1996

quinta-feira, 10 de julho de 2014

A lucidez - Parte I


capa de Armanda Andrade


Não é a juba ou a cabeça majestática do leão que torturam a minha figura humilde; não é o seu olhar sobranceiro que rouba o orgulho dos meus olhos nem a altivez do seu porte que me torna cabisbaixo. Não é o peso do elefante que abate a minha pequenez nem as patas enchendo de carimbos a terra que eu piso que me impedem de caminhar.


Não é o roble secular que se eleva na montanha que me faz sentir o efémero por viver mais do que eu. Não são as neves do Himalaia que gelam o meu desejo de eternidade e me tornam infeliz... Se ao menos Deus me tivesse dado este sonho de eternidade, mas não me exigisse a realidade da prova!...

O que me tortura é a minha lucidez. Ela é o meu castigo, a minha tragédia. Ela abafa todos os meus sonhos, é a minha ilusão de viver. É a luz intermitente que me faz avançar mas que para sempre me deterá no sinal vermelho.

É a lucidez que me põe abaixo do leão, porque, se para mim ele é a majestade, para si é apenas leão. E o elefante não sabe se é mais pesado ou mais leve que a espuma do mar, sou eu que os ponho no prato da balança. Nem a árvore secular tem consciência do nascer e do morrer, ela não sabe contar a idade. É a lucidez que gela o meu pensamento e me traz a imagem da morte. Sim, invejo o elefante, o leão, a árvore, a Sibéria gelada, invejo tudo aquilo que não morre porque não conhece a morte. Invejo todo aquele que não precisa de se drogar para morrer inconsciente!

Sou apenas uma linha de pontos efémeros - mais curta ou mais comprida, mas sempre a terminar num precipício fatal.

(João Marcos, lúcido até ao fim - in "O Ser e o Nada", SOL XXI, 1997)

Nota: A capa foi-me roubada, em autoria e fisicamente, pelo sr. Pedro Massano, responsável pela fotocomposição e execução gráfica.

quarta-feira, 9 de julho de 2014

O céu abriu-se em catadupas de água



O céu abriu-se em catadupas de água

soltou-se o vento em golpes de rajada
a castigar a flora adulta -
oh! como os seres inocentes
sentem esta violência dos agentes insensíveis!
o ginasticar convulsivo
das macieiras novinhas
o aborrido entediar
do cativeiro doméstico!

As verduras abençoam

enquanto melam as rosas -
oh! a fatal sinergia
da gratuitidade sensível
e do insensível necessário!

Tantas nuvens em cachão
sobre as terras alagadas
tantos vazios de nuvem
a rebentar de saudades
no deserto da minha alma!


João Marcos, meu Pai, poeta limiano - in "Meu Verde Minho" Edição Sol XXI, 1997