segunda-feira, 17 de novembro de 2014

O NADA


E agora o nada...
Depois das vestes elegantes da morte
de cuja boca pululam sapos,
porque argumentos não vencem factos...
Depois da fúria do vento,
vento que as palavras não levou
O que resta é a sorte
fustigada pelo vento norte.
Vestes garridas do anjo da morte,
garridas das cores outonais
das árvores as folhas secas tirais...Mascara esta vida, de que nada sobrou.


Este futuro é carregado de passado
e é vida que não se deseja viver:
não há nela a suave esperança
de que sobrevenha depois a bonança.
É presente no passado encerrado.
é a negação do anseio de ser.
É o cinzento, a vida preencher,

Palavras duras deixa-as o vento
desprezando-as pelo chão.
Ninguém ouve o lamento
de quem não tem mais perdão.

E assim eis-me na praça
de aço, redoma de desgraça.
Dentro dela quedo resignada
frente ao futuro cheio de nada.

E é assim o nada...
Todos foram embora.
Um a um, numa bruma pálida
numa desfeita e incauta hora...
Perdi-os por culpa minha
sem que disso me apercebesse,
em que disso o querer quisesse!
Agora sou aquela que caminha
carregando o fardo do que descobri
e por cujo peso feneci...
Carregando o que me matou,
suportando o que me derrubou.

O que seria agora, se o soubesse,
quem pode saber se evitaria a hora,
se impediria este nada que me devora?

A morte não é nada.
O nada é que é a morte.

Foram todos embora
e eu quero apenas a minha hora.
Caminharei num troço de jasmim
evitando os caídos cardos
espalhados no carreiro sem fim.
Não espero o perdão de ninguém
Nem que alma alguma espere por mim.
Tão pouco merecerei o Além:
Serei alma abandonada e penada:
afinal, é mesmo ao que estou habituada.

Um a um, se foram todos...
Mas se o nada é mesmo o nada,
porque não me deixa realmente esvaziada
porque me deixa intactos os sentidos?
Porque me quebra a alma danada
e me lega tantos sentimentos feridos?
Porque sangram as lágrimas a rodos?

Serei assim tão má, egoísta e cruel,
para ter como destino este mar de fel?

Se isto é que é o nada,
está cheio de vida passada!
Mas se tento,e se tento!, deste nada escapar,
logo a morte corre para me agarrar!


Armanda Andrade - Novembro 2014

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Chuva de Novembro

Cai a noite sobre a cidade
com a chuva por companheira.
Chega ao fim este dia ameno de novembro
carregado de cinza e de coisas que não lembro.

Não quero lembrar. Procuro, apenas chegar
ao meu destino num caminho sem tino.

Mas traz a noite, sempre, a verdade
da bagagem que se acerca à nossa beira!
E logo nos descobrimos sem piedade
num mundo tão cheio de noites de novembro.

Como se fosse a noite chuvosa
a vestimenta desta alma dolorosa.
Encharcada à vista do exterior
e igualmente gotejante no interior.

Já é noite breu e a chuva é agora gelada
batendo furiosa nas calçadas:
formam-se rios na rua assaltada
como a sombra que me acompanha
entre a fúria dos elementos tamanha,
como a sombra das coisas passadas.
Do chão a água revolteia e ameaça
engolir-me, como a qualquer incauto que passa.

Procuro abrigo, mas abrigo não acho.
Para quem, como eu, já foi porto de conforto
de tantos necessitados e desabrigados
de alma e dor, errantes de porto em porto,
onde estão eles agora, que não os enxergo deste meu sítio calado?
Estarão bem e de mim já nem se lembram;
sou a porta que com grado fecham quando noutra vida entram.
Ainda bem, frutificou o meu alento;
levado agora de mim, na simples brisa do vento.
E eis-me assim isolada neste momento desolado...

Levei, tentei, uma vida sã de carácter e espírito
para agora acabar rodeada deste espectro de espelho inútil
e cruel, que multiplica sem fim o momento crítico!
(Lá fora, persiste a chuva fria de novembro,
o dia findou e já não é mais ameno,
brilha no céu um tom pouco sereno)...
Envolve-me uma luz negra em modo subtil.

Vejo-me na sala da minha alma fútil
num lamento vão que ninguém vai ouvir...
Desta sala em silêncio ergo-me para sair
e afrontar a chuva fustigante.
Junto-me à multidão apressada na rua
- Têm todos claramente onde chegar.
Serei eu a única errante?
Bem quero desta chuva fugir
mas ela segue-me sem desistir
pois não tenho onde me abrigar,
nem destino onde pousar.
Só me resta continuar.

Quantos de nós não foram ainda
apunhalados nas costas pela vida,
e mesmo até por quem tanto amam?
Quem ainda não experimentou a incompreensão
daqueles, poucos, de vidas ainda intocadas
pela verdadeira crueldade da vida?
Mesmo por aqueles que já o foram,
mas que preferem a negação e a condenação?

Esses nunca compreenderão uma alma ferida,
esses mesmo que amar-nos tanto juram...

Percorro sozinha o meu caminho vão
desacompanhada de quem de mim já não precisa.
As coisas continuarão como estão
muito depois de me transformar em cinza.

Não me interessa onde pela vida sou levada
Apenas sei que haverá um fim.
E que nesse fim, nem mesmo assim,
deixarei de ser amaldiçoada
e ainda menos perdoada
por quem daria eu a vida
se tivesse a minha vida algum crédito.
Mas estarei liberta desta vida sofrida,
não mais um fardo e um encolho!
E que a minha alma até encontre poiso
em algo no além que tenha mérito.
Mas não mais sentirei a chuva de novembro.

No vazio da eternidade já não importa ser ouvida.

Não chorem por mim. Será sem ironia
o meu último acto egoísta
que apenas aos vivos afectará.
Não peço perdão: não o terei.
- Mas, tantas coisas houve que não tive...!
Não é vida viver sem alegria
não é vida brincar de altruísta
que nunca ninguém reconhecerá.
Foi a minha vida, reduzida a nada
pelas últimas palavras que guardei:
uma bomba de egoísmo!
Desta vez desistirei
de ser o que achava ser
para quem interessa, amada e querida.

Mas quem pode amar o que não compreende?
Falta-me o tempo para o ver desperdiçado.
Falta-me o ânimo para lutar mais.
Como explicar a quem não entende?
Como conquistar vida, que já não existe mais?

Vejo o meu tempo roubado
e nem pesar sinto!
Anseio pelo tempo acabado
anseio pelo tempo findo.
Sei que te magoarei, serás a única a sofrer!
Sei que não perdoarás, mas estarás livre.
Só isso te poderei agora legar.
Sofro pelo peso a mais, a carregar.

Mas tens toda a vida para conhecer!
Vai onde eu não pude chegar
e mais além, cumprindo os sonhos dos teus avós
tocando, como tocas, a todos nós,
a mim, que não te mereci
e por tantas outras dores pereci.

Deixa-me terminar
como é costume nestas ocasiões:
Vestindo uns últimos sopros de honra:
Unem-se um dia os corações
e que são o único ouro da vida!
Mas até isso terá de acabar
nesta existência de turbilhões
no dia em que eu mergulhar na sombra...

Mas se algo de bom eu tive
foi essa dádiva da vida
esse ouro de união!
Mesmo que estejas desavinda,
mesmo que desconheças onde estive,
será para mim o meu perdão.

E então, afinal, tudo terá valido a pena.
Segue tu, a tua vida, bem serena!
Sabe que mais amada nunca houve!
Tu foste o ouro que a vida me trouxe!

E um dia, já mais velhinha, quem sabe
se um dia enfim me compreenderás?
Às vezes a ferida que se abre
como a chuva de novembro, a verdade traz.

Se algo em mim ainda para ti serve
tenta ouvir ainda enquanto posso:
Não sejas como quem tudo perde:
procura dentro de ti o teu reforço.

Encontrarás um coração pleno de venturas
e o ânimo para uma vida de aventuras
e depressa esquecerás quem ficou
no limbo dum projecto que falhou.

E daqui a muitos anos, espero,
lembrar-me-ás com mais sabedoria
e serei apenas pensamento mero
esquecida toda a desnecessária memória.


Armanda Andrade - Novembro 2014

sábado, 8 de novembro de 2014

Olhos vermelhos

Os teus olhos vermelhos
dizem que a dor é da cor do sangue...
Mas o brilho que neles aparece
é cristalino, como a chuva caindo.

Espalham-se pelo chão mil brilhos.
Cobre a rua um manto de espelhos
em pedacinhos, como o amor findo.

A chuva lavará essa dor exangue
que nos teus olhos ainda permanece!
Abrirá para ti novos trilhos,
murmurando-te nobres conselhos.
E o vermelho que vejo nos teus olhos,
afastada a dor, todos os encolhos,
será o da quente cor solar
espraiada no céu quando o dia acordar!

Espera então a chuva cair,
espera a luz do céu as nuvens abrir!
E nos teus olhos então, sem mais demora,
brilharão os tons duma nova aurora!

E o brilho que neles logo vou ver
será o reflexo dum novo amanhecer.

Armanda Andrade - Novembro 2014