sábado, 2 de agosto de 2014

Para quê?



Já escrevi um livro, já tive uma filha, já plantei árvores...

Já naveguei falhanços, já aspirei o ar plácido do sucesso, já esqueci, já me esqueceram...

Os dias sucedem-se como na música inconstante mas contínua de uma pequena cascata tranquila de cujo som acabamos por nos abstrair. Se estamos dentro de água muito tempo, começamos a notar apenas se está fria, mesmo que em cenário paradisíaco, com cascata e tudo. Pior, enrugam-se-nos os dedos. A alma enruga. A alma também envelhece, ou apenas desanima?

Não creio que desanime. Continuamos, nadamos até à mais próxima margem, enrolamo-nos na toalha, aquecemos, vamos à vida. Sacudimos e água e nem nos importa que diante de nós se estenda um deserto. Porque nos desertos há sempre oásis, como numa autoestrada pontuam as estações de serviço.

Já não há desertos a sério...

E os dias atravessam-nos como imagens holográficas, efémeras e superficiais como arrepios de frio. As pequenas alegrias, as pequenas e grandes contrariedades, as crises... fingimos que está sempre tudo bem, as dificuldades temperam-nos (marinando a nossa carne prestes a ser cortada em fatias), fazem-nos crescer, é a máscara , numa sabedoria de vida embrulhada em cliché.

Crescer? Mas quem quer crescer?Quem quer ser desencantado, amargado, endurecido?

Para quê?

Caio, levanto-me, sopro o arranhão. As minhas cicatrizes contam-me estórias, as minhas estórias. Quem não tem baús cheios delas? Nem são diferentes só porque são minhas, mas orgulho-me delas, algo pedantemente. Mostram que sobrevivi, que estrebuchei, esforcei-me, ultrapassei! Foram a companhia na minha jornada, a única que temos de certeza, que vem com nós mesmos.

Gosto de mim. Rio-me de mim e rio-me comigo. Mimo-me, se estou triste. Mas o que é que isso interessa? Serviu para quê, tanto empenho, tanto esforço, tanto querer? Porque o sítio onde estou hoje é, ainda, um caminho: de empenho, de esforço, de querer!

E estou cansada, e estou cansada de estar cansada, e só queria estar no sítio onde estava antes de crescer, antes das cicatrizes, antes das marcas de guerra. A sala onde me leva este caminho é apenas a antecâmara de Tanatos e a verdade é que nem importa como lá chegarei. Então para quê tanta luta, tanto ardor, tanta ânsia no bom desempenho desta representação de vida?

"Tudo vale a pena, se a alma não é pequena!"... Pois a minha já viajou para a escala atómica, numa contracção de buraco negro! Porque nada mais que uma partícula minúscula eu sou, neste universo imenso, onde o bater de asas de uma borboleta é só um bater de asas numa qualquer buddleia. E eu nem asas sequer tenho...

E para que quereria eu asas? Voaria, mas para onde? Que lugares há, diferentes deste?

E todavia continuarei o meu caminho, apenas com Sísifo como companheiro, sabendo que afinal, faça eu o que fizer, é Tanatos quem me espera. É Tanatos quem encontrarei neste meu caminho deserto. Um caminho com o fim como destino,

Felizmente.

Nascemos e morremos sozinhos. No intervalo apenas dançam ilusões. Para quê?

Deve fazer parte do pacote de viagem, temos de nos entreter com alguma coisa...



Armanda Andrade - Setembro de 2010


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