terça-feira, 12 de agosto de 2014

Sol de Junho



Brilha altivo no azul cerúleo
a chama vibrante de um novo dia,
na mesma praia de dunas e seixos
onde o nosso Amor se estendia...


O sol afaga-me longamente o corpo
abandonado à sua carícia de amante.
Aquele amor jaz agora morto
mas estou eu viva, vibrante!


Beija-me o sol com paixão
e até a alma me aquece!
Ganham os sentidos à razão
e é como a memória te esquece...


Envolta assim nesta luz que deslumbra
desfruto este limbo de azul e amarelo.
Mesmo que quisesse abrigar-me à tua sombra
prefiro deter-me neste calor, sonho mais belo!
Próximas de mim, em ondulante cântico
hipnotizam-me as ondas do mar.
Espraio-me vagueando em sonho lânguido
- um desejo de ir, mas não de voltar!


Errante vai ali uma gaivota;
peço-lhe que avance para o mar,
pois nas suas asas transporta
o meu Futuro, para que possa voar!
Que o leve para o alto mar
para lá do ponto de fuga no horizonte,
que eu anseio pelo navegar
do meu Futuro, e que volte à fonte.


(Aqui ficarei esperando,
eu e o sol, nos amando...)


Brilha no alto o calor,
cantam as vozes do mar:
"sossega, espera por ti o Amor",
segredam-me ao ouvido, devagar.
E lentamente o sol vai descendo
mesmo junto à linha do céu e do mar.
Lá mesmo onde, como acendendo,
o meu Futuro irá iluminar.


Armanda Andrade - Junho 2011

quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Traição



Quantas palavras, quantas intenções, quantas promessas!

A alma da menina que esta mulher madura sentiu seguro fazer ressurgir, crédula mais uma vez, crédula quando me fizeste subir para o pedestal, prometendo que para sempre assim seria, que não me deixarias tombar.

Mas caí, mais uma entre tantas vezes, caí e magoei-me, mais uma entre tantas feridas.

Nada se transforma, nada muda, todavia tudo é efémero e traiçoeiro.

Quantas mais vezes terei de morrer?

Não há primavera ou outono, nem inverno, muito menos o verão: apenas o limbo onde erramos até que a morte nos liberte.

A Traição, isso é o que fazemos a nós próprios quando nos permitimos acreditar.


Armanda Andrade - Novembro 2008

domingo, 3 de agosto de 2014

Sweetness

My sweet queens ♥

Fiona Magellan - O Capítulo da Máscara




          Depois do assassinato de Carol, Fiona Magellan sentou-se à pequena secretária do seu quarto de hotel, com a adrenalina dos recentes acontecimentos a impulsioná-la para a luz do monitor no écran e a começar a escrever como um autómato, milhares de palavras a atropelarem-se no afã da escrita. Quando o transe amainou, releu o que tinha escrito e, na raiva da insatisfação, eliminou tudo.

          Enviou um email ao seu editor informando que estava activa mas que precisava de uma pausa para acabar o livro de maneira épica e inesperada para os leitores. O editor não ia gostar, mas ela tinha mais em que pensar do que no que o editor pudesse barafustar, como ele costumava fazer, tão teatral sempre!... Deitou-se sobre a cama depois de esvaziar o mini bar. Vista de cima, era como uma Ofélia mergulhada em lençóis de linho com mini garrafas em volta da sua cabeça, como numa coroa de flores. Pouco depois, parte dessa coroa acabaria atirada rudemente para o chão... mini garrafas vazias de mil cores.

          Fiona desceu à cave das mais profundas memórias. A morte de Carol devia ser homenageada usando essa coragem de levantar fantasmas há muito encarcerados.  Chamou-os para perto de si. O quarto encheu-de de companheiros de outras eras e de outras vivências, alguns meio apagados ainda, em estilo holográfico com edição de fotografia envelhecida, outros bem nítidos, como que impressos com tinta indelével.

          Deitada na cama, Fiona observou os seus primeiros movimentos. Um deles sussurrou que não estava surpreendido por ter sido invocado, pois é para isso que eles se escondem nas nossas caves e não desaparecem...
 

          Fiona transportou-se até há anos atrás, em jovem, antes de a sua agorafobia a esconder e proteger, e quando as visões ainda a não atormentavam. Costumava ter muitos amigos. Tinha uma vida social. Aos poucos, através de choques e sempre inesperadamente, descobria traições por parte de quem menos esperava, mesquinhices que a feriram, e também grandes maldades que a perturbaram seriamente e a fizeram começar a costruir a Máscara. Começou por esconder o dom de ver o que os outros não viam, e guardava os flashes das visões para si, teimando até em não acreditar em muitos até a carapaça Anti Dor estar terminada... Muitos a magoavam sem querer e sem disso terem consciência, até ela perceber que isso não existe: mais tarde, surgem incongruências nesses paladinos de virtudes e defensores das regras e conformismos tradicionais. Aprendeu que a injustiça e o egocentrismo dos outros não devem ser deixados a germinar. Na sua dor reprimida, entendia que essas pessoas não têm desculpa, a hipocrisia dos bem intencionados enche o Inferno, segundo consta.

          Talvez tenha sido por aí que, de magoada, aprendeu também a magoar... pois há sempre quem não perdoe quando a importância e a atenção que requerem deixa de ser dispensada.

          A carapaça de Fiona ganhou mais uma camada. Descobriu, tarde de mais, que amigos haviam conspirado contra ela, amigos que ela respeitava. Enxugado o choro no coração, apenas a levaram a sentir-se mais determinada. Infelizmente, mais sozinha também ficou, mas é o preço a pagar para quem quer rodear-se de almas sinceras e desinteressadas, livre de manipuladores e sugadores. Mas são tão raras, essas almas, como pérolas num mar de ostras vazias de poeira...! E Fiona, demasiado sensível e trapalhona construtora de carapaças, acabou agorafóbica.

          Em tudo isto ela pensava enquanto assumia a posição do suicídio de Ofélia na cama, com lágrimas que todavia não chegavam para formar um rio... Carol morrera assassinada e não lhe interessavam os motivos de quem o perpetrara. Ia sobrepor na personagem de Carol as únicas razões que conhecia bem, as suas, um artifício literário que tantos escritores usam quando se querem confessar usando diversas personagens... Carol morrera com um sorriso. Fiona, na sua eterna e escondida mágoa, tentou sorrir. Desenhou-se na face apenas um esgar...

         Eis então que Fiona engole o conteúdo da última garrafinha da coroa, como se de um espinho na memória se livrasse, senta-se frente ao portátil e começa a inventar um passado sórdido para a sua personagem assassinada. Para que, quem quer que a tivesse odiado ao ponto de a matar, não o fizesse, a ela, um dia...

          Foi assim que Carol, capítulo a capítulo, se foi transformando em Fiona. E Fiona percebeu que, apesar de tudo, por mais que aviltasse o carácter da sua personagem, nunca escaparia do medo. Daquele medo de ter de fingir ser, para sempre, alguém que nem conhecia, e cujo fim tinha sido trágico...
          Os primeiros parágrafos que escreveu foram os seguintes:



          "Era uma vez uma bela rapariga que vivia numa floresta cheia de sonhos. Teve um amigo, que lhe deu um ramo de flores, mas que mordeu a mão que o recebeu. Era um jacaré, foi assim que o viu, mal se levantou a névoa da manhã. O ramo de flores soltou-se e desapareceu na corrente. Carol, a bela menina, a cuja passagem as flores desabrochavam, ganhou um brilho nos olhos desde que esse amigo explorou a sua vulnerabilidade e a traiu, escondendo os olhos na sombra, sobre a lama. Era um brilho de olhos em lágrimas.
          Ao mesmo tempo, brilhos de luz esverdeados teimavam em espreitar pela densa folhagem escura das noites...
          Mas isso foi antes antes de ela aprender a sorrir para que esse brilho dos olhos parecesse de felicidade... "

Armanda Andrade - Outubro 2013


sábado, 2 de agosto de 2014

Para quê?



Já escrevi um livro, já tive uma filha, já plantei árvores...

Já naveguei falhanços, já aspirei o ar plácido do sucesso, já esqueci, já me esqueceram...

Os dias sucedem-se como na música inconstante mas contínua de uma pequena cascata tranquila de cujo som acabamos por nos abstrair. Se estamos dentro de água muito tempo, começamos a notar apenas se está fria, mesmo que em cenário paradisíaco, com cascata e tudo. Pior, enrugam-se-nos os dedos. A alma enruga. A alma também envelhece, ou apenas desanima?

Não creio que desanime. Continuamos, nadamos até à mais próxima margem, enrolamo-nos na toalha, aquecemos, vamos à vida. Sacudimos e água e nem nos importa que diante de nós se estenda um deserto. Porque nos desertos há sempre oásis, como numa autoestrada pontuam as estações de serviço.

Já não há desertos a sério...

E os dias atravessam-nos como imagens holográficas, efémeras e superficiais como arrepios de frio. As pequenas alegrias, as pequenas e grandes contrariedades, as crises... fingimos que está sempre tudo bem, as dificuldades temperam-nos (marinando a nossa carne prestes a ser cortada em fatias), fazem-nos crescer, é a máscara , numa sabedoria de vida embrulhada em cliché.

Crescer? Mas quem quer crescer?Quem quer ser desencantado, amargado, endurecido?

Para quê?

Caio, levanto-me, sopro o arranhão. As minhas cicatrizes contam-me estórias, as minhas estórias. Quem não tem baús cheios delas? Nem são diferentes só porque são minhas, mas orgulho-me delas, algo pedantemente. Mostram que sobrevivi, que estrebuchei, esforcei-me, ultrapassei! Foram a companhia na minha jornada, a única que temos de certeza, que vem com nós mesmos.

Gosto de mim. Rio-me de mim e rio-me comigo. Mimo-me, se estou triste. Mas o que é que isso interessa? Serviu para quê, tanto empenho, tanto esforço, tanto querer? Porque o sítio onde estou hoje é, ainda, um caminho: de empenho, de esforço, de querer!

E estou cansada, e estou cansada de estar cansada, e só queria estar no sítio onde estava antes de crescer, antes das cicatrizes, antes das marcas de guerra. A sala onde me leva este caminho é apenas a antecâmara de Tanatos e a verdade é que nem importa como lá chegarei. Então para quê tanta luta, tanto ardor, tanta ânsia no bom desempenho desta representação de vida?

"Tudo vale a pena, se a alma não é pequena!"... Pois a minha já viajou para a escala atómica, numa contracção de buraco negro! Porque nada mais que uma partícula minúscula eu sou, neste universo imenso, onde o bater de asas de uma borboleta é só um bater de asas numa qualquer buddleia. E eu nem asas sequer tenho...

E para que quereria eu asas? Voaria, mas para onde? Que lugares há, diferentes deste?

E todavia continuarei o meu caminho, apenas com Sísifo como companheiro, sabendo que afinal, faça eu o que fizer, é Tanatos quem me espera. É Tanatos quem encontrarei neste meu caminho deserto. Um caminho com o fim como destino,

Felizmente.

Nascemos e morremos sozinhos. No intervalo apenas dançam ilusões. Para quê?

Deve fazer parte do pacote de viagem, temos de nos entreter com alguma coisa...



Armanda Andrade - Setembro de 2010


sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Poema de Amor do Antigo Egipto



Um dos meus poemas favoritos! Gostaria de o partilhar com todos, espero que gostem dele tanto quanto eu!


Se fores à casa coberta de hera
Antes dos outros convidados chegarem,
Põe-te à vontade
Na sala dos banquetes.
As flores mexem-se com a brisa, 
A qual, se não estiver toda envolta em perfume,
Há-de conseguir levar até ti
Pelo menos a excelência de alguma da sua fragrância.
O perfume alastra,
A embriaguês começa.
Aquela rapariga ali, a que se parece com Noubt:
Se tiveres a sorte de a receber como presente,
Meu amigo, deves estar preparado para oferecer em sacrifício
a tua vida
Pois é a única coisa que podes dar em troca.


(tradução de Helder Moura Pereira - ed. Assírio & Alvim)