sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Chuva de Novembro

Cai a noite sobre a cidade
com a chuva por companheira.
Chega ao fim este dia ameno de novembro
carregado de cinza e de coisas que não lembro.

Não quero lembrar. Procuro, apenas chegar
ao meu destino num caminho sem tino.

Mas traz a noite, sempre, a verdade
da bagagem que se acerca à nossa beira!
E logo nos descobrimos sem piedade
num mundo tão cheio de noites de novembro.

Como se fosse a noite chuvosa
a vestimenta desta alma dolorosa.
Encharcada à vista do exterior
e igualmente gotejante no interior.

Já é noite breu e a chuva é agora gelada
batendo furiosa nas calçadas:
formam-se rios na rua assaltada
como a sombra que me acompanha
entre a fúria dos elementos tamanha,
como a sombra das coisas passadas.
Do chão a água revolteia e ameaça
engolir-me, como a qualquer incauto que passa.

Procuro abrigo, mas abrigo não acho.
Para quem, como eu, já foi porto de conforto
de tantos necessitados e desabrigados
de alma e dor, errantes de porto em porto,
onde estão eles agora, que não os enxergo deste meu sítio calado?
Estarão bem e de mim já nem se lembram;
sou a porta que com grado fecham quando noutra vida entram.
Ainda bem, frutificou o meu alento;
levado agora de mim, na simples brisa do vento.
E eis-me assim isolada neste momento desolado...

Levei, tentei, uma vida sã de carácter e espírito
para agora acabar rodeada deste espectro de espelho inútil
e cruel, que multiplica sem fim o momento crítico!
(Lá fora, persiste a chuva fria de novembro,
o dia findou e já não é mais ameno,
brilha no céu um tom pouco sereno)...
Envolve-me uma luz negra em modo subtil.

Vejo-me na sala da minha alma fútil
num lamento vão que ninguém vai ouvir...
Desta sala em silêncio ergo-me para sair
e afrontar a chuva fustigante.
Junto-me à multidão apressada na rua
- Têm todos claramente onde chegar.
Serei eu a única errante?
Bem quero desta chuva fugir
mas ela segue-me sem desistir
pois não tenho onde me abrigar,
nem destino onde pousar.
Só me resta continuar.

Quantos de nós não foram ainda
apunhalados nas costas pela vida,
e mesmo até por quem tanto amam?
Quem ainda não experimentou a incompreensão
daqueles, poucos, de vidas ainda intocadas
pela verdadeira crueldade da vida?
Mesmo por aqueles que já o foram,
mas que preferem a negação e a condenação?

Esses nunca compreenderão uma alma ferida,
esses mesmo que amar-nos tanto juram...

Percorro sozinha o meu caminho vão
desacompanhada de quem de mim já não precisa.
As coisas continuarão como estão
muito depois de me transformar em cinza.

Não me interessa onde pela vida sou levada
Apenas sei que haverá um fim.
E que nesse fim, nem mesmo assim,
deixarei de ser amaldiçoada
e ainda menos perdoada
por quem daria eu a vida
se tivesse a minha vida algum crédito.
Mas estarei liberta desta vida sofrida,
não mais um fardo e um encolho!
E que a minha alma até encontre poiso
em algo no além que tenha mérito.
Mas não mais sentirei a chuva de novembro.

No vazio da eternidade já não importa ser ouvida.

Não chorem por mim. Será sem ironia
o meu último acto egoísta
que apenas aos vivos afectará.
Não peço perdão: não o terei.
- Mas, tantas coisas houve que não tive...!
Não é vida viver sem alegria
não é vida brincar de altruísta
que nunca ninguém reconhecerá.
Foi a minha vida, reduzida a nada
pelas últimas palavras que guardei:
uma bomba de egoísmo!
Desta vez desistirei
de ser o que achava ser
para quem interessa, amada e querida.

Mas quem pode amar o que não compreende?
Falta-me o tempo para o ver desperdiçado.
Falta-me o ânimo para lutar mais.
Como explicar a quem não entende?
Como conquistar vida, que já não existe mais?

Vejo o meu tempo roubado
e nem pesar sinto!
Anseio pelo tempo acabado
anseio pelo tempo findo.
Sei que te magoarei, serás a única a sofrer!
Sei que não perdoarás, mas estarás livre.
Só isso te poderei agora legar.
Sofro pelo peso a mais, a carregar.

Mas tens toda a vida para conhecer!
Vai onde eu não pude chegar
e mais além, cumprindo os sonhos dos teus avós
tocando, como tocas, a todos nós,
a mim, que não te mereci
e por tantas outras dores pereci.

Deixa-me terminar
como é costume nestas ocasiões:
Vestindo uns últimos sopros de honra:
Unem-se um dia os corações
e que são o único ouro da vida!
Mas até isso terá de acabar
nesta existência de turbilhões
no dia em que eu mergulhar na sombra...

Mas se algo de bom eu tive
foi essa dádiva da vida
esse ouro de união!
Mesmo que estejas desavinda,
mesmo que desconheças onde estive,
será para mim o meu perdão.

E então, afinal, tudo terá valido a pena.
Segue tu, a tua vida, bem serena!
Sabe que mais amada nunca houve!
Tu foste o ouro que a vida me trouxe!

E um dia, já mais velhinha, quem sabe
se um dia enfim me compreenderás?
Às vezes a ferida que se abre
como a chuva de novembro, a verdade traz.

Se algo em mim ainda para ti serve
tenta ouvir ainda enquanto posso:
Não sejas como quem tudo perde:
procura dentro de ti o teu reforço.

Encontrarás um coração pleno de venturas
e o ânimo para uma vida de aventuras
e depressa esquecerás quem ficou
no limbo dum projecto que falhou.

E daqui a muitos anos, espero,
lembrar-me-ás com mais sabedoria
e serei apenas pensamento mero
esquecida toda a desnecessária memória.


Armanda Andrade - Novembro 2014

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