sábado, 5 de julho de 2014

Ao morrer o dia

Da janela vejo as coisas sorrateiras 
sorrateiras afastarem-se de mim 
pouco a pouco. 
Vou com elas. Assustadas e ligeiras 
duas pombas. Voo cego. Voo louco. 
Breve fim. 
Cada qual para seu lado 
vou com elas. 
Inquietas. Voo cego. Atrasado 
(também me afasto de mim). 
Pouco a pouco morre a luz - a sombra nasce. 
Novo fim. O começo dia a dia 
(de tristeza? de alegria?) 
Em cada dia a vida morre e a morte faz-se. 

Da janela 
vejo as coisas afastarem-ME de mim. 
Não sou nada. Não sou começo nem fim. 
Talvez apenas um traço 
talvez apenas um zero no zero de cada dia 
(nem sequer um risco baço 
de tristeza ou de alegria).


(João Marcos, in "Versos do Fim do Dia" - Edições Ceres)
September tears

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