quinta-feira, 3 de julho de 2014

Nunca te chorei...

copyright Armanda Andrade
Todos os dias te recordo. Sempre que reentro em Lisboa, atravessando a 25 de Abril, o meu olhar dirige-se para o lugar onde vivi desde que nasci até à juventude, uma vida, e onde depois moravas com o meu Pai, e depois sozinha, tantas vidas diferentes numa só, a tua, e agora esta, a que vive dentro de mim...
 
E tenho dificuldade em perceber que já lá não estás!


Anteontem dediquei-te toda a minha memória, foi sábado, foi dia 22, foi ao meio dia e vinte minutos, faz agora dois anos e parece que foi ontem, que é hoje, e choveu nesse dia como choveu no dia em que partiste!

Como ainda chove no meu coração, todas as vezes que te lembro, todos os dias, mesmo sabendo que o não quererias e que te partiria o coração se soubesses a falta que me fazes. Partir-se-ia o teu coração por não poderes acudir-me, se o soubesses. Porque estavas sempre, sempre, precisasse eu ou não, discreta, atenta, o maior carinho do mundo, a maior generosidade, sempre tão cândida e meiga, mesmo quando rias e brincavas no teu humor impagável, subtil. Inteligente, prazenteiro. 

Fazias anos no dia 1 de Abril e sempre te pregávamos uma mentira, em que tu placidamente acreditavas, ou a sério ou para nos fazeres a vontade. Partiste tão pouco tempo antes do teu aniversário, apesar de te suplicar que estivesses cá para ouvir a minha mentirinha, aquela que eu já estava a preparar enquanto teimavas no coma. Sei que resististe o tempo necessário para te despedires, e que até tentaste abrir os olhos quando, estavas já em agonia, te supliquei que os abrisses mais uma única vez. Pestanejaram os teus olhos, sei que me ouviste. Mas estavas demasiado fraca, desculpa-me ter-te obrigado a esse esforço.

Este ano vou preparar uma mentirinha para ti. No dia 1 de Abril, contar-ta-ei dentro de mim. E dentro de mim ouvirei a tua voz e o teu riso, como dantes. E não choverá, como no dia em que partiste. Mas não garanto que não volte a chover no meu coração...
- Escrevi este desabafo em 2008, dois anos depois de teres aceite voltar para o pó de estrelas, ou para junto dos anjos, em que acreditavas. Decerto te acolheram como um deles! Espero que o Pai não tenha resmungado que demoraste, ele odiava esperar... (mas tu nunca te atrasavas mais do que o imprescindível para manter a aura de diva)...
Não tenho mais palavras para acrescentar, só sei que nunca te chorei, Mãe, porque pressinto que, se começar, não conseguirei acabar, se começar, poderei enlouquecer. 


(E agora, em 2014, há algum tempo, distraí-me e senti os meus olhos ocultos atrás de um espelho rugoso de água... E a chuva atingiu a minha noite num forte aguaceiro. Agora, passados 8 anos, quando descobri que certa chuva é como lâminas fininhas e gélidas a trespassarem-nos a alma. E que neste coração exangue se agita, por vezes e de repente, um lago de lama...)

Armanda Andrade - 01.04.2010 / 03.07.2014

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