quinta-feira, 3 de julho de 2014

Queria ser ave...


Leva-me contigo, Loucura, mas assim de repente e sem demoras e completamente. Promete-me que assim eu esqueço, e não sinto e não peno, devolve-me a insensibilidade, arrasa da memória todo o engonho e sentimento!

Amar é ilusão e eu quero a devolução da minha lucidez. Quero a verdade e não o cativeiro para onde nos atiram se amamos,

Pois o Amor é a risada de Cupido, é o castigo de Sísifo de quem se revela. Cupido é traquinas, a sua flecha é armadilha e empestada de veneno, a flecha que nos trespassa trazendo a ilusão e logo nos atraiçoa, um delírio que não é mais que um desejo pueril destinado aos cândidos e aos incautos.

Este mundo é desilusão, humilhação, vergonha, a libertação só a proporciona a Loucura, venha ela que rebenta com as grilhetas, concede a evasão da subordinação!

Queria ser ave, daquelas migratórias, mas ave não sou 
e deste mundo não posso voar.

Não existe, não há deus, eis-nos pois por nossa conta. Milagres? Assistem apenas aos simples. São os que não se debatem que conseguem ser felizes. Mas, quem inveja uma felicidade assim?

Vem, Loucura, devolve-me ao meu retiro, abrigo contra donos ou senhores, ou a tal pretendentes.

O homem é ser territorial e a mulher, no devaneio deste, é o reflexo da sua "honra" - palavrão que encarna aquele conceito pelo homem tão apreciado e cujas leis foram elaboradas numa lógica de interesses e conveniências próprias do grupo.

Mas a única honra é a minha autenticidade e reside na minha consciência e na minha alma. Nesta minha imperfeição, tosco barro em que me vou vendo sendo esculpida, no meu direito a errar e no meu direito a aprender, por mim, ao meu ritmo e capacidade! No meu fado, de todos feito semblante comum, de percorrer os caminhos da condição humana. Sempre distante das expectativas, tantas vezes em esperanças inconsequentes. tantas outras em quereres infantis. Ninguém pode roubar o que sou, se eu quiser ser o que sou. Não quero. Não deixo. Aceitem... Ou respeitem a minha demanda de paz. Quero o meu espaço desinfectado. Quero longe essas vossas mentes em constante busca de uma qualquer falha que se sentem, só vocês, no direito de julgar. E falhas não faltam!... Errare humanum est! Mas julgam, ah, como julgam!

Apartam pois, de mim, esse limitador pernóstico!
Se o não conseguirem... temos pena.
Mas não muita: retornando a mim e ao meu jardim, eu não estarei já cá.


Permanece sempre em nós a criança que fomos, mesmo julgando-a abandonada. Pois a criança dentro de mim grita por consolo e por mimo, já que tão castigada já foi! E a minha criança queria ser ave...


Loucura, traz-me a Paz que eu perdi...


Armanda Andrade -  29.03.2010

Sem comentários :

Enviar um comentário